O Split Payment promete simplificar a arrecadação tributária, mas pode impactar diretamente o fluxo de caixa das empresas. Entenda os desafios e estratégias para mitigar seus efeitos.

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Já pensou em vender uma mercadoria e, antes mesmo de contar com o dinheiro, parte dele já evaporou? Sim, claro que estamos falando de tributos, mas desta vez em uma forma de liquidação mais rápida. É assim que funcionará o split payment: os impostos serão automaticamente separados no momento da venda, mudando o fluxo de caixa das empresas e exigindo um novo olhar sobre a gestão financeira.
Como exemplo de inovação tecnológica temos o pix, lançado em 2020, que revolucionou as formas de pagamentos no país, trazendo celeridade e segurança. Além disso, é considerado um dos meios de pagamentos instantâneos mais modernos do mundo, superando muitos sistemas de outros países desenvolvidos.
O split payment vem com uma roupagem parecida na intenção de diminuir a inadimplência e (que surpresa) melhorar a arrecadação tributária. A Lei Complementar 214/25 menciona sutilmente o split payment, mas ainda não traz as diretrizes exatas acerca da operação, que será regulamentada em outros regramentos. Assim sendo, dentro do que a legislação apresenta hoje, podemos tecer algumas considerações para que o contribuinte comece a se preparar para essas mudanças no âmbito tributário.
Como funcionará?
- No momento do pagamento de uma compra o valor correspondente aos tributos (IBS e CBS) será automaticamente separado e enviado diretamente aos cofres públicos.
- O vendedor receberá apenas o valor líquido, sem precisar se preocupar com o recolhimento posterior dos impostos.
- A ideia é reduzir o risco de não pagamento e simplifica a fiscalização.
A título de exemplo, se um consumidor paga R$ 100 por um produto e os impostos somam R$ 20, esse valor será separado automaticamente e enviado parte ao governo (CBS) e parte ao Comitê Gestor do IBS. Logo, o vendedor receberá R$ 80 na liquidação financeira dessa operação.
O que a Lei Complementar 214/25 prevê?
Basicamente, a novel legislação estabelece que, no momento da liquidação financeira do pagamento, os valores correspondentes ao IBS e à CBS serão automaticamente segregados e recolhidos aos cofres públicos, conforme os documentos fiscais vinculados à operação. Nos casos de pagamentos parcelados, essa separação será feita proporcionalmente em todas as parcelas.
Ademais, existe a possibilidade de um procedimento simplificado, aplicável a operações que não geram crédito tributário ao adquirente, em que o imposto será calculado com base em um percentual fixo pré-estabelecido, independentemente do valor real da tributação.
Impactos para as Empresas
O split payment impactará diretamente o fluxo de caixa ao reduzir a disponibilidade financeira da empresa, uma vez que os impostos são retidos automaticamente no momento da liquidação da operação.
Imagine que uma loja de autopeças venda 10 peças para uma oficina mecânica por R$ 5.000,00 com pagamento em 30 dias.
Antes do split payment, a loja entregava as peças e sabia que receberia R$ 5.000,00 da oficina no próximo mês. Até lá, pode usar esse valor no planejamento do caixa, pagando fornecedores e outras despesas. O imposto sobre a venda (exemplo: 20% = R$ 1.000,00) só seria pago no prazo de vencimento dos tributos vinculados à operação.
Já com o split payment, no momento da liquidação financeira, o sistema já separa e recolhe R$ 1.000,00 de impostos. Quando a oficina faz a transferência de R$ 5.000,00, o sistema já separa e recolhe automaticamente os tributos (R$ 1.000,00) antes que o dinheiro chegue à loja.
Dessa forma, é possível verificar o impacto direto desse novo modelo no fluxo de caixa das empresas, visto que, no exemplo acima, antes a empresa contava com R$ 5.000,00 em suas “contas a receber”. Agora, no momento da liquidação financeira, o imposto já é retido automaticamente e a loja só tem R$ 4.000,00 disponíveis para operar.
Por outro lado, no que se refere aos ressarcimentos de créditos tributários, quando a empresa acumular mais créditos do que débitos o prazo para reembolso será de 30 dias para contribuintes que participam de programas de conformidade desenvolvidos pela Receita Federal do Brasil (RFB) e pelo Comitê Gestor do IBS. Este é, sem dúvida, um ponto positivo, porque, a depender da forma de restituição de alguns tributos, o prazo atual é bem maior que o da nova disposição.
No entanto, em alguns casos, esse prazo pode se estender por até 180 dias, o que novamente impactará o fluxo de caixa das empresas, dificultando a recuperação desses valores, bem como modificando o modus operandi da gestão financeira do negócio.
Soluções para Mitigar os Impactos do Split payment no Fluxo de Caixa
Em face dos desafios impostos nesta nova etapa, as empresas podem adotar algumas estratégias para minimizar os impactos no fluxo de caixa e garantir uma gestão financeira mais equilibrada.
A reestruturação do planejamento financeiro se fará necessária para ajustar o planejamento de receitas e despesas, considerando a retenção antecipada dos tributos. Ademais, o alinhamento de prazos de pagamento com fornecedores é outra necessidade com a qual as empresas lidarão devido aos novos fluxos de recebimento. A formação de Reservas Financeiras, portanto, revela-se mais uma possível solução, a fim de cobrir períodos de menor liquidez.
Por fim, entendemos como necessário também o monitoramento dos créditos acumulados de forma a solicitar ressarcimentos com antecedência, evitando dependência pura do caixa.
Nota-se, assim, que tais mudanças de procedimentos ajudarão as empresas a identificarem possíveis ajustes de custos, no intuito de manter a competitividade sem comprometer a lucratividade do negócio.
Conclui-se que da mesma maneira que o Pix revolucionou os meios de pagamento, o split payment também está prestes a alterar a forma como as empresas lidam com a apuração e liquidação dos impostos. A promessa de mais eficiência e menos inadimplência vem acompanhada do desafio de manter o caixa equilibrado e os boletos pagos. Como ainda pairam muitas incertezas sobre os detalhes operacionais, o melhor que o contribuinte tem a fazer neste momento é abandonar a passividade e se antecipar, revisando o seu planejamento financeiro e preparando o bolso—porque, goste ou não, essa novidade já está a caminho e, ao que parece, ela veio pra ficar!
Por Salwa Nessrallah – especialista tributária da evoinc.