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O surgimento da IFRS 18, cuja obrigatoriedade será a partir de 1º janeiro de 2027, marca uma evolução significativa nas normas contábeis internacionais, focando na melhoria das apresentações e divulgações nas Demonstrações do Resultado do Exercício (DRE) e nas notas explicativas. Esta norma vem para substituir a IAS 1 Presentation of Financial Statements e modificar a IAS 7 Statement of Cash Flows, afetando diretamente a maneira como as organizações comunicam seu desempenho financeiro.
Contexto histórico
A concepção da IFRS 18 é fruto de um longo processo de revisão e feedback iniciado em 2015 com o projeto Primary Financial Statements, motivado pela necessidade de aumentar a consistência e comparabilidade das demonstrações financeiras. A norma, que será emitida em abril de 2024, é resultado de quase uma década de desenvolvimento e consulta pública, demonstrando o compromisso do IASB em aprimorar a comunicação da performance financeira das empresas. Abaixo apresentamos um breve histórico normativo do surgimento da IFRS 18:
Imagem: Contabilidade executiva
•Entre maio de 2015 e maio de 2019, o IASB tomou a decisão de que deveria ser emitido um Exposure Draft para obter feedback em relação às propostas do projeto.
•Entre maio de 2019 e dezembro de 2019, o IASB trabalhou na elaboração do Exposure Draft.
•Em dezembro de 2019, foi finalmente emitido o Exposure Draft ED/2019/7 – General Presentation and Disclosures, que ficou aberto para comentários até o final de setembro de 2020.
•Entre dezembro de 2019 e janeiro de 2021, análises de feedbacks recebidos e tomadas decisões sobre o projeto.
•A partir de março de 2021, o IASB trabalhou para fins da emissão da IFRS 18, que culminou na emissão em abril de 2024.
Objetivo da implementação da IFRS 18
O objetivo central da IFRS 18 é melhorar a clareza e a utilidade das informações contábeis, permitindo que investidores e outros usuários das demonstrações financeiras tenham uma base mais sólida para análise e comparação do desempenho das entidades. Isso é alcançado através da introdução de novas categorias e subtotais na DRE, que ajudam a padronizar a apresentação das informações e facilitar a comparação entre diferentes entidades. A necessidade de aprimoramento foi reconhecida com base no feedback dos usuários dos relatórios financeiros, que apontaram a importância de o IASB focar em um projeto que abordasse as questões de consistência e comparabilidade das informações apresentadas na demonstração do resultado abrangente (DRE). Isso se deve à ampla variedade de práticas em relação à classificação e apresentação de elementos da DRE e subtotais.
Mudanças com a adoção da nova norma
Com a adoção da IFRS 18, observaremos mudanças significativas na estrutura da DRE. As cinco novas categorias obrigatórias — operacional, investimento, financiamento, impostos e operações descontinuadas — e os subtotais como “lucro operacional” e “lucro antes dos juros e impostos sobre o lucro” introduzem uma padronização que não existia anteriormente. Além disso, a norma traz uma maior transparência nas métricas de desempenho não-GAAP, exigindo que essas sejam claramente definidas e reconciliadas com as medidas GAAP correspondentes nas notas explicativas.
Demonstramos a seguir o extrato do Exposure Draft (item B.24) que permite visualizarmos a estrutura no modelo geral (aplicável a empresas não financeiras, não seguradoras e não de investimentos):
Observe que a categoria de investimento engloba receitas e despesas provenientes de investimentos que não estão ligados às principais atividades comerciais, assim como despesas adicionais diretamente associadas a esses investimentos (que não seriam evitadas caso o investimento não tivesse sido realizado). Por outro lado, a categoria de financiamento abarca receitas e despesas relacionadas ao fluxo de caixa e equivalentes de caixa, incluindo aquelas geradas por atividades de financiamento, bem como receitas e despesas financeiras que não decorrem de atividades de financiamento.
Abaixo, demonstramos em formato comparativo as diferenças entre a DRE atual e a nova DRE, conforme IFRS 18:
Imagem: Prof. Fernando Galdi
Divulgações em notas explicativas sobre métricas não-GAAP
A finalidade dessas exigências é elevar o nível de clareza em relação a certas métricas de desempenho. A IFRS 18 vai requerer que uma nota explicativa exclusiva divulgue as “management-defined performance measures – MPMs”. Tais medidas são subtotais de receitas e despesas que não são definidos pelo arcabouço contábil da IFRS e são frequentemente empregados em comunicações públicas para ilustrar o desempenho das empresas. Em termos mais simples, essas são conhecidas como “medidas não-GAAP”, que são amplamente utilizadas em relatórios corporativos. Alguns dos exemplos comuns de medidas não-GAAP incluem:
- Lucro operacional ajustado
- Lucro líquido ajustado
- EBITDA ajustado
- Fluxo de caixa livre
Existem quatro obrigações de divulgação para essas métricas não-GAAP:
- Inserir uma afirmação de que tais medidas representam a perspectiva da administração
- Justificar o motivo pelo qual essas métricas são divulgadas
- Fornecer uma reconciliação com a medida GAAP mais comparável
- Detalhar quaisquer variações nos métodos de cálculo dessas métricas
É crucial notar que subtotais usados em comunicações verbais, transcrições e publicações em redes sociais não fazem parte do escopo normativo e, por isso, não são considerados “management-defined performance measures”. Portanto, nem todas as medidas não-GAAP precisarão ser incluídas nas notas explicativas.
Agregação e desagregação das informações na DRE
A intenção desses requisitos é aprimorar a utilidade dos dados apresentados. A IFRS 18 traz avanços no modo como as informações são compiladas e detalhadas, fornecendo orientações sobre o momento adequado para a apresentação dos dados diretamente na DRE ou em notas explicativas. Trata-se de decidir sobre a abertura ou não dos saldos.
Uma inovação interessante é a criação de requisitos para a categoria “outros”. Para minimizar a ambiguidade nessa categoria de informações, que frequentemente é bastante diversificada, o IASB está definindo critérios que ampliam a transparência e a utilidade dessas informações, quando pertinente.
Por exemplo, a norma específica que as entidades devem recorrer à categoria “outros” apenas quando não for possível encontrar uma denominação mais esclarecedora. Portanto, essa categoria deve ser evitada sempre que possível.
Outra alteração importante é a obrigatoriedade de as entidades que segregam despesas por função divulgarem os valores detalhados em cada categoria para itens como depreciação, amortização, benefícios aos empregados, perdas por impairment e eliminação de estoques. Isso resultará em uma maior transparência sobre essas categorias de despesas.
Impactos e diferenças em relação a IAS 7
A IAS 7 Statement of Cash Flows – (CPC 03 (R2) – Demonstração dos Fluxos de Caixa) experimentará alterações em decorrência da implementação da IFRS 18. O lucro (ou prejuízo) operacional agora será utilizado como base para o método indireto, de modo a se alinhar às novas disposições aplicadas na DRE.
Ademais, será removida a opção de escolher políticas contábeis distintas para a alocação dos fluxos de caixa provenientes de juros e dividendos entre diferentes categorias. Os juros serão consistentemente registrados nas atividades de financiamento e os dividendos, nas atividades de investimento, com exceções aplicáveis apenas quando relacionadas às “main business activities“.
Possíveis Riscos e Dificuldades
A implementação da IFRS 18 pode apresentar desafios, especialmente para entidades com operações diversificadas e sistemas de relatórios complexos. A necessidade de reclassificar receitas e despesas nas novas categorias exigirá uma revisão detalhada dos processos contábeis e possivelmente adaptações nos sistemas de TI. Além disso, as empresas terão que educar suas equipes sobre as novas regras e garantir que os relatórios reflitam precisamente a nova estrutura.
Melhorias Esperadas
A implementação da IFRS 18, que vale lembrar mais uma vez que a obrigatoriedade será a partir de 1º janeiro de 2027 e que as empresas têm até essa data para se adequar as novas regras, deverá trazer melhorias significativas na transparência e na comparabilidade das informações financeiras. A uniformização das categorias na DRE facilitará a análise horizontal e vertical, permitindo aos investidores e analistas uma melhor avaliação da performance das empresas.
*Por Mariano Soares – Assurance and M&A Manager