Decisão do TJ-RJ acende alerta sobre a tributação de plataformas digitais e abre precedente para responsabilização pelo recolhimento de ISS em todo o país.

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A 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu que a plataforma digital Airbnb deve reter e repassar o ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) ao Município de Petrópolis, referente às hospedagens intermediadas na cidade. A decisão, proferida no processo nº 0009610-89.2022.8.19.0042, reacende o debate sobre a natureza jurídica da atividade desempenhada por plataformas digitais e os limites da tributação municipal no contexto da economia digital.
Neste artigo, exploramos os fundamentos adotados pelo TJ-RJ, os principais argumentos utilizados pela defesa do Airbnb, e os impactos práticos para municípios, plataformas e contribuintes.
O que decidiu o TJ-RJ: Airbnb como intermediador de hospedagem
Em julgamento unânime, o TJ-RJ reconheceu que a atividade exercida pelo Airbnb configura intermediação de serviço de hospedagem e não mera locação por temporada, como sustentava a plataforma. Com isso, confirmou a incidência de ISS nas operações de hospedagem realizadas em Petrópolis e declarou a responsabilidade tributária do Airbnb por substituição, com base na Lei Municipal nº 8.299/2022 e no art. 182, § 15 e § 16, do Código Tributário do Município.
Segundo a relatora, desembargadora Margaret de Olivaes Valle dos Santos, a plataforma atua de forma ativa na operacionalização da hospedagem: seleciona imóveis, oferece infraestrutura completa aos usuários (com diárias, serviços de limpeza, utensílios domésticos e suporte), e intermedeia os pagamentos entre hóspedes e anfitriões, retendo comissões sobre cada operação.
Para o tribunal, a caracterização da operação como serviço de hospedagem justifica a incidência do ISS conforme o item 9.01 da lista de serviços da Lei Complementar nº 116/2003, devendo o imposto ser recolhido no local da efetiva prestação do serviço — ou seja, onde o imóvel está localizado.
Fundamentos para a incidência do ISS sobre o Airbnb
A decisão do TJ-RJ baseia-se em uma interpretação funcional da atividade econômica da plataforma, com os seguintes fundamentos:
- Natureza jurídica da atividade: embora o Airbnb alegue prestar apenas serviços tecnológicos, o tribunal entendeu que o objeto central da operação é a hospedagem temporária com serviços agregados, e não a cessão de uso de software.
- Infraestrutura típica de hospedagem: imóveis mobiliados, com fornecimento de roupa de cama, serviços de limpeza e suporte ao hóspede aproximam a experiência oferecida da hotelaria tradicional.
- Modelo de negócios baseado em diárias e taxas sobre hospedagem: a remuneração da plataforma decorre diretamente das hospedagens realizadas, afastando o argumento de que não há relação direta com o serviço prestado.
- Substituição tributária prevista em lei local: a legislação de Petrópolis atribui expressamente à plataforma a obrigação de reter e repassar o ISS, com base nos artigos 128 do CTN e 6º da LC 116/2003, que admitem a responsabilização de terceiros vinculados ao fato gerador.
Argumentos contrários à cobrança de ISS pelo município
O Airbnb, por sua vez, sustenta que a exigência do ISS pelo Município de Petrópolis é indevida, com base nos seguintes fundamentos:
- Atividade de locação por temporada: a plataforma argumenta que os anfitriões disponibilizam imóveis por tempo determinado, sem prestação de serviços típicos de hospedagem, o que caracterizaria locação regida pela Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) e não serviço de hospedagem.
- Inaplicabilidade do ISS sobre locação: a defesa se apoia na Súmula 31 do STF, que veda a incidência do ISS sobre operações de locação de bens móveis — entendimento extensível, segundo a plataforma, às locações de imóveis por curto prazo.
- Tributação já realizada no domicílio da sede: o Airbnb afirma que recolhe ISS no Município de São Paulo, onde está localizada sua sede, em conformidade com a regra geral prevista na LC 116/2003 para serviços tecnológicos.
- Inconstitucionalidade da exigência local: sustenta-se que a Lei Municipal nº 8.299/2022 viola os princípios da territorialidade, legalidade e livre iniciativa, ao impor obrigações a empresa não estabelecida fisicamente no município — em linha com o Tema 1020 da Repercussão Geral do STF, que declarou inconstitucional o CPOM de São Paulo.
O que está em jogo: jurisprudência, arrecadação e precedentes
A controvérsia revela uma tensão crescente entre os modelos tradicionais de tributação municipal e os modelos digitais de negócio, nos quais a fronteira entre locação, intermediação e prestação de serviço se torna cada vez mais tênue.
A decisão do TJ-RJ fortalece o entendimento de que plataformas digitais podem ser responsabilizadas por reter e repassar ISS, desde que participem ativamente da cadeia de valor do serviço prestado. Além disso, abre precedente relevante para que outros municípios adotem medidas semelhantes, como já avaliam Fortaleza, Salvador e outras capitais.
Por outro lado, a ausência de legislação nacional específica sobre o tema expõe contribuintes a inseguranças jurídicas e riscos de bitributação, alimentando disputas entre municípios e aumentando o risco regulatório para plataformas e anfitriões.
O que empresas e plataformas devem observar?
O caso Airbnb em Petrópolis sinaliza um movimento de fortalecimento da autoridade tributária municipal sobre plataformas digitais e impõe atenção redobrada às empresas que atuam como intermediadoras na economia de compartilhamento.
É recomendável que plataformas revisem:
- A natureza jurídica de seus serviços;
- A forma de intermediação e recebimento de valores;
- A existência de substituição tributária local;
- Os riscos decorrentes de decisões judiciais e da ausência de uniformização normativa nacional.
Enquanto o STF não pacifica a matéria, o melhor caminho é acompanhar de perto os desdobramentos jurídicos e avaliar preventivamente o impacto fiscal das decisões locais — sob pena de autuações e multas.
E como fica o caso do Airbnb com a reforma tributária?
A Emenda Constitucional 132/2023 e a Lei Complementar 214/2025 estabeleceram novas regras que impactam diretamente plataformas como o Airbnb.
Pela nova legislação, as plataformas digitais que intermedeiam operações com bens e serviços — inclusive de hospedagem ou locação — podem ser responsabilizadas pelo recolhimento do IBS e da CBS, mesmo quando não sejam elas as fornecedoras diretas do serviço (art. 22, Lei Complementar 214/2025).
Isso significa que, sob o novo sistema, o Airbnb poderá ser obrigado a reter e repassar os tributos incidentes sobre as hospedagens que intermediar, independentemente de onde esteja sua sede ou se considera estar apenas “conectando pessoas”. A reforma trata esse tipo de intermediação como parte integrante da cadeia de consumo e sujeita à tributação. Na prática, a tendência é que o debate atual sobre o ISS dê lugar a um modelo mais uniforme de cobrança, alinhado com a lógica do novo IVA dual.